Por Ana Paula Siqueira

    O menino Pedro Henrique tirou a própria vida em um dia 12 de agosto. Escrevo, mais de duas semanas depois, porque a certeza dos fatos é mais importante do que manchetes de jornais ou cliques e views em redes sociais. Hoje é possível dizer com absoluta convicção que a decisão extrema de Pedro foi muito influenciada pelo bullying que ele sofria em uma das escolas mais tradicionais de São Paulo, por ser bolsista, negro e gay.

    De quem é a culpa pelo ocorrido? Afirmo, categoricamente, que toda a sociedade tem sua parcela de culpa, com exceção, claro, das vítimas, Pedro, sua família e milhões de pessoas que acordam e enfrentam o dia a dia, vítimas de uma sociedade sem empatia.

    Uma sociedade onde uma pessoa financeiramente bem-sucedida é classificada com ‘elite’, enquanto Pedro, um menino brilhante, que mesmo com poucas chances conquista uma vaga em uma das escolas mais conceituadas da cidade, é chamado de ‘periférico’.

    O bullying nas escolas, muitas vezes praticado por jovens de famílias privilegiadas, levanta questões sobre a responsabilidade na formação de crianças e adolescentes. Aos 14 anos, esses jovens replicam os preconceitos e a violência que a própria sociedade lhes ensina. Seriam eles os únicos culpados? Ou os pais e a sociedade, que deveriam priorizar uma educação que vá além do conteúdo escolar, fomentando empatia, responsabilidade social e respeito à diversidade?

    No contexto do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, a discussão ganha contornos específicos. A instituição é conhecida por abrir suas portas a alunos de diferentes realidades socioeconômicas, como é o caso de Pedro Henrique, morador da Vila dos Remédios, Osasco, e filho de trabalhadores, que não pode arcar com a mensalidade de mais de R$ 5 mil. Apesar dessa diversidade, a escola alega que possui um projeto próprio de convivência para promover a inclusão e combater o bullying.

    No entanto, ficam as perguntas: Qual é o conteúdo desse projeto? Onde está documentado? Quais ações concretas foram implementadas? Existe um programa permanente que promova a Cultura da Paz e enfrente o bullying de maneira eficaz? A Lei 13.185/2015, conhecida como a Lei do Bullying, exige essas respostas, e o Código Penal, em seu artigo 146-A, agora classifica o bullying como crime, caso não ocorra um delito mais grave.

    O Colégio Bandeirantes, assim como muitas outras instituições, afirma estar tentando enfrentar o problema. Porém, o enfrentamento ao bullying demanda mais do que tentativas: requer ações concretas, estratégias bem definidas e o compromisso de especialistas. Nenhuma escola quer seu nome associado ao bullying, mas cabe às instituições o desenvolvimento de um plano robusto e consolidado para combater essa prática. E é justamente isso que muitas instituições de ensino (do Ensino Fundamental ao Pós-doutorado) parecem ignorar.

    Pedro Henrique teria avisado a escola e a Ismart, entidade que lhe concedeu a bolsa. Ninguém soube como agir para impedir a sua dor. Um educador chegou a classificar os alunos bolsistas de “agressivos”, por exigirem seus direitos. Mesmo que eles tenham sido agressivos, é papel do educador entender o contexto e abraçar essas crianças.

    A imprensa também tem a sua parcela de culpa. O bullying acontece diariamente, mas só vira pauta quando ocorre uma tragédia. Dias depois, pouco a pouco, o tema volta ao esquecimento.

    É preciso falar sobre como o bullying afeta as vítimas por toda a vida, o sofrimento das famílias, a falta de preparo para lidar com os autores, como as escolas ainda negligenciam o assunto, explicar as ações afirmativas e proativas para prevenção, exigir o cumprimento das leis, levar o tema para programas de debates, auditórios, falar sobre ele nas redes sociais.

    O bullying é muitas vezes considerado um tema irrelevante, até que ele acontece com uma pessoa próxima. Neste momento, ele passa a ser o tema mais importante, pela sua enorme capacidade destrutiva.

    Somente em 2024, tivemos duas mortes de vítimas diretas de bullying. Carlos, de 13 anos, agredido na escola em Praia Grande e Pedro Henrique, de 14, na Capital.

    Como sociedade, temos dois caminhos: começar a agir de maneira firme contra o bullying ou aguardar o próximo nome que vai estampar as manchetes dos jornais.

    Ana Paula Siqueira, Presidente da Associação SOS Bullying, mestre e doutoranda pela PUC/SP, professora universitária e pesquisadora em cyberbullying e violência digital

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    Ana Paula Siqueira, sócia do Siqueira Lazzareschi de Mesquita Advogados, doutoranda em bullying digital pela PUC-SP, professora universitária e diretora da ClassNet Consultoria.